Sunday, December 31, 2006

"Estado Globalizado", ISTOÉ Dinheiro, 19/10/05


Especialista em Direito Internacional analisa efeitos da globalização sobre a soberania das Nações.

No que se transformou a soberania dos Estados? Ela pode existir quando se vive num mundo cada vez mais globalizado? Essas são apenas algumas das perguntas feitas por Eduardo Felipe Matías em seu primeiro livro: “A Humanidade e suas Fronteiras – do Estado Soberano à Sociedade Global”, recém publicado pela Editora Paz e Terra. Resultado de mais de cinco anos de pesquisa e consulta a mais de 420 autores, o ambicioso trabalho discute em suas 523 páginas o surgimento de um novo modelo de organização da sociedade global. Escrito em linguagem acessível, preocupa-se em explicar didaticamente o aparecimento histórico de entidades como os estados nacionais e as empresas multinacionais, assim como localizar no tempo e conceituar fenômenos como a globalização. Até que ponto ela reduziu o papel dos Estados como intermediadores das relações entre os povos, sejam elas comerciais ou culturais? “O poder do Estado chegou a ser supremo e independente um dia. Hoje não é mais”, diz Matías, um advogado de 32 anos, doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direiro da Universidade de São Paulo. Segundo ele, a soberania do Estado vem encolhendo à medida em que há uma ascensão da sociedade globalizada.


Cada vez mais os governos perdem poder para as chamadas instituições globais, que passam a exercer funções antes exclusivas dos Estados. Os blocos comerciais como o Mercosul e a União Européia, a Organização Mundial do Comércio e as empresas multinacionais são apenas protagonistas dessa transferência de poder. “O resultado não será o fim da diversidade. Teremos de ressaltar o que nos une e não o que nos separa.” O que Matías indaga é sobre os resultados desse processo. De um lado, a disseminação de valores como a democracia, os direitos humanos e a garantia das liberdades fundamentais são extremamente positivos. De outro, esse mesmo Estado perde a capacidade de proteger seus cidadãos, sobretudo no terreno da economia. Os protestos contra a globalização evidenciam isso. “Há um sentimento de que grande parte da população mundial está ficando para trás e que a riqueza, cada vez mais, concentra-se em determinadas regiões do planeta.” A saída? “Uma nova utopia, um novo projeto de sociedade, com ênfase para os valores de proteção do ser humano. Numa sociedade global, todos são responsáveis pela diminuição da exclusão social.”

Saturday, December 30, 2006

"Um Desafio Global", VEJA, 2/11/05

Como criar uma nova ordem num mundo em que os Estados perderam poder e soberania

Carlos Rydlewski



Michael Kappeler/AFP
Encontro dos líderes das nações mais desenvolvidas: em busca de soluções conjuntas. Parafraseando o escritor americano Mark Twain, pode-se dizer que os rumores sobre a morte dos Estados nacionais têm sido muito exagerados. Eles ainda são os principais atores no jogo político mundial, e assim devem continuar por um longo tempo. Algo bem diferente é constatar que, nas últimas décadas, a globalização transformou a vida das nações de maneira inapelável. O fortalecimento das empresas e dos mercados financeiros transnacionais, além de saltos gigantescos no campo tecnológico, retirou do Estado muito de sua autoridade. Um dos pilares de sua imagem clássica foi solapado: o da soberania. Compreender esse fenômeno e descrevê-lo de maneira adequada é uma tarefa que ocupa, hoje em dia, os melhores cérebros no campo da teoria política. Uma síntese cristalina desses debates se encontra no livro A Humanidade e Suas Fronteiras (Paz e Terra; 556 páginas; 45 reais), do jurista paulistano Eduardo Felipe Pérez Matias.

Matias demonstra como o arsenal teórico – e retórico – a respeito da ação estatal perde validade a cada dia. Por exemplo: fora de um contexto de guerra ou de invasão, as restrições à soberania de um país foram sempre abordadas com o uso do conceito de "autolimitação". Em outras palavras, só cabia ao Estado decidir sobre a eventual restrição de seus poderes. Esse modelo ainda explica o surgimento de tratados ou entidades supranacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas ele já não é suficiente num mundo em que o bater de asas do mercado financeiro, digamos, na China, pode causar tufões pelo mundo todo.

Como afirma Matias, o esgarçamento da soberania estatal não é algo em si negativo. Ele tem razão. A globalização retirou, por exemplo, boa parte do peso da ideologia no campo econômico. Isso se vê no Brasil. Independentemente da bandeira política que a ocasião possa fixar no topo do Palácio do Planalto, já ficou claro que existem parâmetros objetivos que precisam ser cumpridos caso o país deseje manter sua estabilidade e garantir sua inserção no comércio mundial. Mas A Humanidade e Suas Fronteiras trata do tema num plano mais abstrato. É interessante compará-lo com outros livros recentemente lançados: Multidão (Record) e A Democracia no Mundo de Hoje (Martins Fontes). O primeiro é assinado pelo americano Michael Hardt e pelo italiano Antonio Negri (mentor do grupo terrorista Brigadas Vermelhas, nos anos 70). Ele traz uma visão de extrema esquerda do mundo contemporâneo, segundo a qual uma ordem imperial estaria se consolidando e a única alternativa a ela seria o fortalecimento do poder da "multidão". O segundo livro é de autoria do alemão Otfried Höffe, um dos mais originais pensadores políticos contemporâneos. Num estilo rigoroso e avesso a slogans fáceis, Höffe analisa o surgimento de uma "República Mundial" e procura estabelecer os meios políticos e jurídicos para que ela seja o mais justa possível. Esse é o time de Matias.

Friday, December 29, 2006

"Governo Global", ISTOÉ 12/10/05


Livro traça paralelo entre o enfraquecimento do Estado e o fortalecimento das instituições globais.

Por: Lino Rodrigues

A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global (Editora Paz e Terra, 556 págs., R$ 45), do advogado Eduardo Felipe Matias, é resultado de cinco anos de pesquisas em universidades brasileiras, americanas e européias e de muita experiência pessoal. Especialista em direito internacional, o autor explica de modo simples e didático como a globalização e outros fenômenos contemporâneos estão reduzindo o poder dos Estados, cada vez mais dependentes de organizações internacionais.

ISTOÉ – A globalização já é uma realidade?
Eduardo Matias – Sim. É um fato e pode ser constatado na economia, nacultura e em outras áreas. Ela se intensificou nos últimos anos graças àrevolução tecnológica.
ISTOÉ – E como será essa humanidade sem fronteiras?
Matias – Os Estados estão se enfraquecendo e outras soluções institucionais estão surgindo. Com a soberania estatal enfraquecida, nasce um novo modelo em que os Estados perdem totalmente a importância e surge uma governança global para substituí-los. Para que isso aconteça mais intensamente, é preciso que haja instituições democráticas comprometidas com a preservação da diversidade e com a pluralidade de culturas, única forma de garantir que todas as vozes serão ouvidas.
ISTOÉ – Como será diluído esse poder globalizado? Os paísesricos vão continuar levando vantagem?
Matias – Isso já acontece hoje. Em algumas organizações internacionais, como o FMI, alguns países têm peso maior que outros. Os Estados Unidos, por exemplo, chegam a ter poder de veto no Fundo. Isso acaba causando um desequilíbrio de poderes entre os países, o que não é justo. Quando as soluções criadas são injustas, a instituição tende a perder legitimidade e a efetividade do seu poder.
ISTOÉ – O Estado como é hoje tende a desaparecer?
Matias – O Estado não acabou, longe disso. Ele é o principal ator internacional,mas cada vez mais cede parte de suas competências e de seu poder para essas organizações. E aí o problema que surge é que na hora que se tem o poder do Estado diluído entre outras organizações – e muitas vezes entre atores privados, como as empresas transnacionais –, o que acaba acontecendo é que o requisito essencial do poder estatal que é a legitimidade democrática teria que existirtambém nessas organizações, mas muitas vezes elas são questionadas exatamente porque não têm esse requisito.
ISTOÉ – Mas não é o caso de se criar legislação específica?
Matias – Sim. É o que chamo de globalização jurídica, que vai tentar regulara interdependência dos povos.
ISTOÉ – Um direito globalizado?
Matias – Hoje já temos esse direito globalizado em várias áreas. Na questãodo comércio internacional, por exemplo, temos soluções alternativas transnacionais para resolução de disputas de arbitragem como forma de solução de disputas.Isso começa a tirar do Estado algumas prerrogativas, atribuindo-as a outros atores internacionais.

Monday, December 05, 2005

"Globalização, tecnologia e a diminuição das fronteiras", O Estado de São Paulo, 2/10/05



O livro demonstra como a globalização e outros fenômenos , como a revolução tecnológica, a integração regional e o fortalecimento das organizações internacionais, afetam o poder dos Estados. Esse é o resultado de anos de pesquisa em universidade renomadas - Universidade de São Paulo, Paris e Columbia em Nova York, entre outras -, somado à experiência do autor como advogado atuante no campo do Direito Internacional. E como observa o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer: 'Uma das características da globalização que tem como lastro a inovação tecnológica - amplamente discutida neste livro - é a crescente importância dos fluxos e das redes e a diminuição da clássica relevância dos territórios e das fronteiras.'

Friday, December 02, 2005

"O Desafio da Globalização", Tribuna do Direito, 02/12/05

A globalização é um fato. Não é totalmente boa, nem completamente má. Precisa ser estudada porque está levando a humanidade a uma nova forma de organização. Nesse processo de mudança de paradigma, o grande desafio é encontrar caminhos para o estabelecimento do modelo de uma sociedade global, que preserve os direitos e garantias individuais — mantendo o indivíduo como unidade fundamental — e, conseqüentemente, respeite a pluralidade e a diversidade.

É assim que o advogado Eduardo Felipe Pérez Matias interpreta o processo de transformação em curso no mundo. Ele dedicou-se a pesquisar e estudar o fenômeno da globalização durante cinco anos, ao longo dos quais fez mestrado na Universidade de Paris II-Pantheón-Assas e doutorado na Universidade de São Paulo, com direito a temporada de estudo na Universidade Columbia, em Nova York, como visitante. O estudo, aliado à experiência como advogado especializado em Direito Internacional, resultou no livro A Humanidade e suas Fronteiras – Do Estado Soberano à Sociedade Global, lançado pela Editora Paz e Terra. Na obra, o autor procura enunciar e analisar as características da globalização e seus efeitos sobre a soberania dos Estados contemporâneos, examinando a nova realidade em seus múltiplos aspectos. “Hoje temos uma nova configuração institucional. Essa evolução pode levar a uma sociedade global, que não é só mais de Estados, mas que compartilha valores: uma comunidade global, que chamo de humanidade sem fronteiras. É uma hipótese, muito longínqua, que poderá derivar do aprofundamento desses valores comuns à humanidade”, afirma Matias, acrescentando que “a institucionalização que existe dessa sociedade global precisa ser aperfeiçoada”.

A grande preocupação do advogado em relação ao fenômeno da globalização é que o interesse da maioria seja desrespeitado.“As grandes corporações transitam de uma forma muito mais ágil, solta e livre do que no modelo tradicional que temos. Não se pode fingir que isso não existe. A responsabilidade das pessoas que pensam o Direito é exatamente evitar que esses arranjos desrespeitem as funções básicas do Estado. Essa é a nossa função, e um desafio como advogados nesse mundo globalizado, para que a globalização não viole os direitos das pessoas”, revela.

TD — Como avaliar o livre e incontrolável fluxo de capitais pelo mundo ?
Matias — É a globalização financeira, que também deriva da revolução tecnológica. Ter um mercado interligado, como existe hoje, ter a possibilidade de transportar quantidades enormes de dinheiro em frações de segundo de um lado para o outro do mundo só é possível graças à revolução tecnológica. Isso torna muito mais difícil o controle da economia pelo Estado.TD — E facilita o crime organizado.Matias — Esse é um problema. Hoje, existem crimes que são muito difíceis de controlar, porque podem acontecer na internet. Um exemplo: no Brasil são proibidos os jogos de azar, mas isso não impede que uma pessoa entre num cassino virtual e jogue. O poder estatal que deveria ser efetivo, torna-se menos efetivo por conta da existência do cyberespaço. Tem-se também a questão tributária. A internet permite que um serviço seja contratado em outro país. Como é que esses serviços vão ser tributados? Esse problema não é nacional, é transnacional, que só pode ser resolvido por meio de cooperação. Não há outro jeito.

TD — Mas há conflitos de interesses entre ricos e pobres na globalização?
Matias — Existem dois problemas básicos. A partir do momento em que os Estados têm uma necessidade muito grande de atrair riqueza, a partir do momento em que os Estados sofrem essa pressão — dos mercados financeiros internacionais, dos operadores financeiros locais, das empresas transnacionais que estão instaladas em seu território, das empresas que poderiam estar instaladas nele, mas ameaçam não vir ou ameaçam ir embora — começam a limitar as políticas e a globalização começa a ser usada em favor de uma distribuição de poder às vezes em benefício de interesses privados. Na hora em que há organizações internacionais que têm sistema de voto desequilibrado, como é o caso do FMI, o que pode acontecer é que os interesses de determinados Estados mais poderosos se sobreponham aos interesses dos mais fracos, ou até do interesse coletivo. O Estado é uma instituição que foi idealizada para evitar esse tipo de distorção e quando há instituições democráticas funcionando adequadamente, procura-se evitar que interesses privados se sobreponham aos públicos, que os interesses de determinados grupos se sobreponham aos demais. Na globalização esse risco está presente.

TD — E como fica a soberania dos Estados?
Matias — A soberania tem duas acepções tradicionais. Na primeira, a soberania se confunde com o poder do Estado, é substantivo, é o poder estatal; na segunda, se confunde com a qualidade específica desse poder do Estado, considerado supremo e independente, portanto, é adjetivo. Esse poder do Estado só faz sentido se for efetivo. A efetividade do poder estatal é necessária para o reconhecimento do Estado. Quando se diz que o Estado é supremo e independente, significa dizer que é autônomo, que tem liberdade para agir. As pessoas tendem a parar na análise da soberania dizendo que o Estado é quem decide se quer ou não abrir mão de alguns dos seus poderes. Logo, ele seria independente e poderia desistir de participar das organizações internacionais, poderia expulsar as empresas transnacionais de seu território, etc. Hoje, isso não ocorre, porque o Estado depende de arranjos institucionais globais tanto para poder se inserir no mercado global, quanto para atrair riqueza para o seu território. O custo de oportunidade de dizer não a tudo isso é muito grande.

TD — Atrair riqueza significa o quê?
Matias — Significa ter capital, ter empresas operando no território, gerando emprego e beneficiando as populações que vivem no país. Hoje, isso é uma necessidade do Estado.

TD — Mas as empresas não estão preocupadas em melhorar a vida dessas populações. Elas atuam em todo o mundo para aumentar seus lucros, ou não?
Matias — O que acaba acontecendo é que a soberania de fato é afetada. O Estado perde o poder estatal, a efetividade, a autonomia. O Estado tem uma limitação das opções políticas como, por exemplo, a política econômica. O Estado sofre a pressão tanto do mercado financeiro internacional quanto das empresas transnacionais e de algumas organizações internacionais, como o FMI. A autonomia do Estado é cerceada.

TD — Como explicar a situação da Argentina, que optou por fazer o que considerou ser melhor para ela e não o que o FMI, o mercado financeiro internacional e as empresas transnacionais queriam, e conseguiu taxas de crescimento expressivas?
Matias — Às vezes, o Estado pode optar. Mas não sempre. O poder soberano, concentrado e autônomo, é cada dia menos autônomo. Mas há exceções. A Argentina causou estranheza, mas é exceção. Um exemplo mais completo e histórico é o da crise asiática de 1997. Aqueles países, na ocasião, não tinham condições de dizer ‘não’ porque tinham uma forte crise de liquidez. Tiveram de atender às famosas condicionalidades do FMI. As organizações internacionais também limitam o poder do Estado. Mas aí existe um fenômeno que é mais importante do que esse, que tem a ver também com soberania, que é a questão de algumas organizações internacionais terem hoje alguns órgãos com características supranacionais. Um exemplo paradigmático é a União Européia, que tem um tribunal cujas decisões são automaticamente implementadas pelos Estados-membros. Eles submetem-se a um órgão exterior, cuja vontade independe da deles. Não dá para dizer que o Estado segue sendo supremo em seu território, porque a população está submetida a um órgão que está acima dele. A soberania como supremacia é afetada.

TD — Um desses órgãos é a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Matias — É o grande exemplo. Hoje, os Estados têm de submeter-se às decisões do órgão de solução de disputas da OMC. E essas decisões são tomadas por um órgão que é quase jurisdicional e têm de ser acatadas pelos Estados. E têm sido. Quando um país desrespeita uma decisão paga um preço muito alto por isso.

TD — Por exemplo?
Matias — Os Estados Unidos foram condenados pela OMC a alterar um mecanismo que tinham de incentivo às exportações e a pagar US$ 4 bilhões em medidas compensatórias à União Européia.

TD — E pagaram?
Matias — Ainda é um caso em discussão. Mas, em outros casos, os Estados Unidos tiveram de voltar atrás. São exemplos de como os Estados perdem a supremacia que tinham antes, e perdem a autonomia que tinham, por e-xemplo, de adotar certas leis. É um efeito muito grande. Por isso é que falo em sociedade global. Porque o que surge hoje é um tipo de sociedade em que o poder, que antes era só dos Estados, está diluído em atividades transnacionais — pensa-se em mercado financeiro transnacional, empresas transnacionais, arbitragem. Atualmente, existem muitas instâncias em que o Estado pode ser questionado. Isso muda a configuração de forças em todo o mundo.

TD — A distribuição de renda é um problema não resolvido dentro dos Estados e de uns Estados em relação aos outros. A concentração de renda tende a agravar-se com a globalização?
Matias — O Estado que não se preocupa com a distribuição de renda, cedo ou tarde vai enfrentar problemas. A França, que enfrenta uma instabilidade resultante de problemas de inserção social, mostra isso. Essa mesma instabilidade pode ocorrer em nível mundial. A África, por exemplo, é um continente marginalizado, que não é mercado. Mas, não dá para pensar num arranjo institucional global deixando de lado uma grande parcela da população. Precisa-se, então, pensar em instituições com mecanismos de cobrança que lhes permitam preocupar-se com esses problemas. O governo francês agora está muito preocupado com esse problema. A grande característica do poder estatal é a legitimidade democrática. A legitimidade está totalmente ligada ao poder, pois é ela que assegura que o poder vai ser obedecido. As organizações internacionais têm menos compromisso com a legitimidade democrática porque o poder é mais diluído e menos identificado. Uma das grandes acusações que se faz é que essas organizações são muito pouco transparentes. Existem algumas coisas que podem ser feitas para aumentar a legitimidade dessas organizações.

TD — O quê?
Matias — Muitas das soluções encontradas pelas organizações são ideais. A partir do momento em que o mundo torna-se interdependente, precisa-se de soluções comuns, obtidas por meio da cooperação. Com soluções de cooperação, principalmente entre Estados, é preciso tornar essas decisões transparentes, porque assim tornam-se legítimas e são mais eficientes.

TD — Isso permanece sendo ideal. A realidade é outra: os mais fortes submetendo os mais fracos, como acontece na ONU.
Matias — A ONU para ser eficaz, teria de ter o monopólio da força. E está-se longe ainda do tempo em que o Estado vai abrir mão do monopólio da força em favor de uma organização internacional. Nisso os Estados Unidos fazem o que entendem. Além disso, a ONU tem outras dificuldades que derivam do fato de que o Conselho de Segurança tem cinco membros com poder de veto, o que significa que qualquer decisão ali tomada pode ser vetada, por exemplo, pelos Estados Unidos ou outro dos cinco países. Eses países ficam fora do sistema (decisão que não lhes interessa é vetada e não os atinge ), o que o torna menos legítimo, menos eficaz. A ONU precisa ser muito aperfeiçoada.

Tendência para “abraçar causas”


O paulistano Eduardo Felipe Pérez Matias, 33 anos, filho de pai português e mãe espanhola, cresceu falando os dois idiomas principais da Península Ibérica, o português e o espanhol. Estudou no Colégio São Luiz, onde foi um dos fundadores do Grêmio Estudantil e seu primeiro presidente. Bom aluno, embora não fosse dos mais comportados, foi escolhido pelos colegas para ser o orador da turma na formatura da 8ª série, função que voltou a exercer ao final do 3º ano do ensino médio.

Chegou ao vestibular bem decidido a fazer Direito. “Acho que sempre tive perfil de advogado. Tinha uma veia política forte, era aquele cara que reivindicava as coisas, protestava, procurava mobilizar as pessoas em torno de determinadas idéias. A Advocacia tem muito a ver com isso”, diz. Essa tendência para “abraçar causas”, voltou a manifestar-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Fadusp), onde entrou em 1991. Em 1992, ano do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, Matias era secretário-geral do Centro Acadêmico XI de Agosto, a entidade que representa os estudantes da Fadusp, fundada em 1903.Depois disso, começou a trabalhar e o tempo para as atividades políticas minguou. Progressivamente, foi-se dedicando mais ao estudo e ao trabalho. O interesse pelo Direito Comercial foi crescendo. No 4º ano, entrou como estagiário no L.O. Baptista Advogados, onde hoje é sócio, e viu no Direito Internacional um caminho natural. Formado em 1995, algum tempo depois teve a oportunidade de fazer mestrado na França. Quando terminou, trabalhou uma temporada na filial de Paris do L.O. Baptista Advogados. Foram três anos em solo francês, que lhe renderam ainda um grande encontro: conheceu a mulher, Mari Carmen, Panamenha, formada em Direito, ela também tinha ido para a França cursar o mestrado. Foi amor à primeira vista, um encantamento que, em agosto de 2004, acabou em casamento.Na volta ao Brasil, voltou a trabalhar no L.O. Baptista Advogados, onde trabalha com Direito Empresarial Internacional, principalmente na elaboração de contratos e com arbitragem, mas também envolve-se com questões no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) e do Mercosul.No tempo vago, gosta de viajar, ir ao cinema, à ópera, ler e jogar futebol com os amigos. “Jogo toda a semana. Não deixo passar”, diz. (EN) &

Saturday, November 26, 2005

"Globalização afeta poder estatal, mas não representa o fim dos Estados", Agência USP de Notícias, 20/10/05


Por: Valéria Dias

O aumento das relações entre os países e, destes com instituições internacionais, está criando um novo tipo de globalização: a jurídica. Ela surgiu da necessidade da implementação de leis que regulassem essas atividades. "As nações acabam perdendo um pouco de poder, porque devem se submeter a regras e decisões adotadas por estas instituições", afirma o advogado Eduardo Felipe P. Matias.
Em sua tese de doutorado, apresentada à Faculdade de Direito da USP, o advogado analisou como a globalização está afetando o poder dos Estados. O estudo originou o livro A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global (Paz e Terra, 556 pags), lançado no último dia 4 de outubro, em São Paulo.Ele ressalta que essa perda de poder não significa o fim dos Estados ou a aculturação dos povos e que sempre haverá questões em que o Estado continuará atuando. “Mas é fundamental que os interesses coletivos sejam colocados à frente dos privados e que exista uma valorização das pessoas no plano internacional, sem deixar de lado a pluralidade das culturas”, defende. Matias explica que tanto a globalização econômica (aumento do comércio entre os países) como a financeira (o mercado financeiro internacional) foram impulsionadas pela revolução tecnológica (comunicação, transportes, internet) e pela atuação de instituições transnacionais. Um exemplo disso são as empresas transnacionais. Elas negociam e elaboram contratos internacionais que definem a lei que se aplicará em suas relações e adotam institutos, como a arbitragem, para resolver suas disputas. Além disso, nos últimos anos, houve um fortalecimento das instituições internacionais (que envolvem os Estados), principalmente na área econômica, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Também surgiram instituições supranacionais, como a Corte Européia de Direitos Humanos, e de integração regional, como a União Européia e o Mercosul; e ainda a proliferação de tratados internacionais, como o Protocolo de Kyoto (acordo mundial que pretende reduzir o lançamento de gases causadores do efeito estufa aos níveis de 1990). “Todos esses fatores estão contribuindo para uma maior interdependência dos povos e, conseqüentemente, para o surgimento da globalização jurídica", explica o advogado. Desequilíbrio de poderDentro desse quadro, que Matias chama de “sociedade global”, um dos problemas é que muitas vezes acontece um desequilíbrio de poder entre os Estados. “No caso do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, alguns países possuem um poder de veto; o mesmo ocorre com o FMI, onde, pelo número de votos que possuem, os Estados Unidos tem esse mesmo poder. São condições que podem favorecer ou desfavorecer certos países.” Como aspectos positivos, Matias cita o caso de acordos regionais como o Mercosul e a União Européia. “Ao se unirem nesse tipo de acordo, os Estados podem trazer benefícios diretos para a população.” Valores universaisPara o advogado, esse modelo de sociedade global — onde determinadas instituições globais cada vez mais se fortalecem e o poder dos Estados diminui — pode se transformar, a longo prazo, em uma “comunidade global”, com valores universais comuns a todas as pessoas, sem deixar de lado a pluralidade dos povos: é o que Matias define como “humanidade sem fronteiras”. Para realizar o estudo, o pesquisador partiu da análise de mais de 500 livros e artigos publicados sobre o assunto e também da própria experiência como advogado da área de direito internacional. O autor estuda o tema desde o mestrado, realizado na Universidade de Paris II, na França, além de ter sido visiting scholar da Columbia University, em Nova York.

Friday, November 25, 2005

"Globalização e soberania", artigo Jornal do Brasil, 26/11/05

Por: Eduardo Felipe P. Matias

A globalização é um fato e, por isso, não se pode atribuir a ela um caráter intrinsecamente bom ou mau. No entanto, esse fenômeno afeta a soberania dos estados, e isso sim pode causar efeitos significativos sobre a sociedade.
A soberania tem dois significados principais. Ela pode ser entendida como o próprio poder estatal - o conjunto de competências que um estado possui -, ou como uma qualidade desse poder do estado, que deve ser supremo em seu interior e independente em seu exterior.
Poder é a capacidade de impor sua vontade aos demais, produzindo um efeito desejado. A efetividade é uma medida dessa capacidade, essencial para a soberania: se o poder do Estado perde efetividade - quando não consegue implementar políticas públicas, ou quando diminui seu controle sobre seu território e suas fronteiras - sua soberania se reduz de fato.
A outra acepção de soberania - a de supremacia interna e independência externa - pode se resumir na noção de autonomia, que é a capacidade de agir livremente. A autonomia é fundamental para a soberania. Caso o Estado tenha de se curvar à vontade de um outro poder, ele não pode mais ser considerado autônomo, e, portanto, plenamente soberano. E, com a globalização, o poder do estado torna-se menos efetivo e autônomo.
A globalização, ainda que tenha raízes no passado, passou nos últimos anos por uma aceleração que levou a interdependência dos povos a alcançar intensidade inédita, graças, em grande parte, à revolução tecnológica. Esta afeta principalmente a efetividade do poder estatal. Ao não conseguirem, por exemplo, proibir atividades ilegais no ciberespaço, diminui o controle dos estados sobre seu território e sua população. A maior contribuição dessa revolução se dá, contudo, no fortalecimento das empresas transnacionais e dos mercados financeiros - característica marcante da globalização. No caso das primeiras, sua forma de atuação, baseada em uma estratégia global, também acarreta perda de controle pelos Estados. No que se refere à globalização financeira, a revolução tecnológica colabora para o crescimento do volume e da mobilidade dos fluxos.
Desse modo, o poder estatal é hoje menos efetivo. É importante lembrar, entretanto, que um dos principais papéis que o estado adquiriu ao longo dos anos foi o de regulador da atividade econômica dentro de seu território. Se o poder de controle é essencial à efetividade, e se a efetividade é essencial à soberania, sempre que o estado não conseguir controlar os atores transnacionais sua soberania é afetada.
A globalização também produz conseqüências sobre a autonomia do poder estatal. Essa afirmação poderia parecer contraditória, já que os estados exercem papel ativo na promoção da globalização. São eles que, por meio da desregulamentação dos mercados, ou de acordos de livre comércio, permitem que a globalização financeira e o comércio internacional ganhem força. No entanto, essa atitude dos estados se justifica por sua necessidade de atrair capital, que leva a que investidores possuam enorme poder de pressão. Isso pode impedir a adoção pelos estados de certas políticas econômicas condenadas por esses atores privados.
Imaginar mecanismos para que o interesse da maioria prevaleça e para que o poder seja exercido de forma efetiva e legítima é um dos grandes desafios da sociedade global que está surgindo.

"A sustentabilidade das empresas se traduz em lucro", Valor Economico, 3/10/05

Por: Mara Luquet

Talvez não seja uma boa idéia comprar ações de uma empresa cujo carro-chefe de seus produtos seja a máquina de escrever. Relíquia num mundo digital, ela ocupa hoje, na melhor das hipóteses, lugar privilegiado na decoração de algumas casas de escritores, jornalistas e saudosistas de um tempo que definitivamente não volta mais. Pelo mesmo motivo, investidores que num passado não muito distante vislumbraram a relevância que teria os computadores pessoais nos lares modernos e ficaram ricos com ações de empresas como as da Microsoft , só para citar um exemplo.

Para fazer bons investimentos no longo prazo, melhor do que ir atrás de "dicas" é formar sua própria opinião sobre como será o futuro de consumidores, organizações e países. Esta análise vai chamar sua atenção para oportunidades de investimentos que podem se revelar verdadeiras minas. Além disso, vai alertar para riscos que hoje parecem não existir. Depois que esse mundo novo começar a se formar em sua imaginação, consulte relatórios de analistas sobre empresas que você acredita que vão se sobressair no futuro.
Neste sentido, vale a pena ler "A Humanidade e suas Fronteiras - do Estado Soberano à Sociedade Global", de Eduardo Felipe P. Matias, editado pela Editora Paz e Terra, que será lançado na próxima terça-feira, em São Paulo, na Livraria Cultura da Avenida Paulista. Matias é doutor em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde também se graduou. É mestre em direito Internacional pela Universidade de Paris II e visiting scholar na Columbia University, em Nova York. Atualmente está em São Paulo e é sócio do escritório L.O. Baptista Advogados .
Veja, por exemplo, o que diz Matias no livro: "Um dos fenômenos mais importantes relacionados à ascensão da sociedade global é o surgimento de uma sociedade civil transnacional. As organizações não-governamentais são essenciais para a formação de uma consciência global e para o combate a determinados problemas comuns da humanidade - e o poder de pressão por elas exercido também tem conseqüências sobre a soberania estatal".
Matias observa que o maior crescimento das ONGs coincide com o período de aceleração do processo de globalização. "A aparição de problemas transnacionais, por exemplo, os de caráter ambiental - como o aquecimento global, a destruição da camada de ozônio e a poluição transfronteiras -, levam ao surgimento de ONGs transnacionais e de alianças entre diversas ONGs em todo o mundo".
Se for assim, por mais que lhe pareça que as ações de uma empresa ofereçam boas oportunidades de ganhos, é fundamental analisar sua sustentabilidade no longo prazo, principalmente se estiver contando com essas ações para sua aposentadoria.
A empresa que ignorar esse cenário mostrado por Matias não se sustenta no longo prazo. Daí a importância de fazer um exame acurado dos investimentos socialmente responsáveis. Nunca é demais repetir: estas aplicações nada têm a ver com caridade. Estão amparadas em estudos que mostram que as companhias socialmente responsáveis devem ter vida mais longa e retornos mais atraentes do que outras que ignoram este novo modelo de sociedade. Essas empresas socialmente responsáveis, dizem os analistas, não terão seus lucros tragados por processos judiciais trabalhistas ou por pesadas multas ambientais ou simplesmente não sofrerão boicotes de consumidores mais propensos a prestigiar empresas que tenham compromissos com seus funcionários, com o meio ambiente, com a sociedade e com seus acionistas.
As empresas socialmente responsáveis estão amparadas por esses pilares e, pelas razões mostradas por Matias em seu livro, tendem a ter um futuro mais próspero do que outras que não respeitam esses valores.
No livro, Matias faz uma análise interdisciplinar da ascensão da sociedade global, que se deve a duas forças principais. A primeira é a globalização, impulsionada pela revolução tecnológica e pela atuação das empresas transnacionais e dos operadores financeiros. A segunda é a globalização jurídica, caracterizada pela crescente regulamentação internacional e pelo fortalecimento das organizações internacionais de cooperação e de integração regional. Enquanto a globalização torna as fronteiras que separam os Estados mais e mais permeáveis, o direito e as instituições globais, que unem a humanidade em torno de objetivos comuns, ampliam as suas próprias fronteiras.
Trata-se de um livro que vai ajudar a compreender de que forma a globalização e outros importantes fenômenos contemporâneos, como a revolução tecnológica, a integração regional e o fortalecimento das organizações internacionais, afetam o poder dos Estados.
Mara Luquet é editora da revista ValorInveste e autora do Guia Valor Econômico para o Planejamento da Aposentadoria.

"Além da globalização", CartaCapital, 12/10/05

Por Redação CartaCapital

A valorização do indivíduo e da sociedade global e a redução do poder estatal são motes que conduzem A Humanidade e Suas Fronteiras – Do Estado Soberano à Sociedade Global (Paz e Terra, 556 págs., R$ 45), de Eduardo Felipe P. Matias. Mestre pela Universidade de Paris II, doutor pela Faculdade de Direito da USP e advogado especializado no campo do direito internacional, o autor debruça-se na pesquisa sobre como a globalização, a revolução tecnológica e o fortalecimento das organizações internacionais redimensionam o poder e a soberania dos Estados contemporâneos. Segundo a ótica de Matias, essa nova instituição que ele chama de “sociedade global” vem gradualmente substituindo o Estado soberano como paradigma de organização da humanidade. O aumento de poder das instituições internacionais, transnacionais e supranacionais, para ele, nos conduziria a uma diluição e a um compartilhamento maior da soberania – enfim, à humanidade sem fronteiras que batiza seu trabalho.

"A Humanidade e suas Fronteiras", Revista Amanhã, Edição 214, Outubro de 2005


As instituições políticas do mundo contemporâneo estão passando por uma profunda transformação: aos poucos, o Estado nacional deixa de ter domínio absoluto sobre as diretrizes que guiam a vida de seus cidadãos. Essa metamorfose é o tema central de "A Humanidade e suas Fronteiras", obra do advogado Eduardo Felipe Pérez Matias. Para o autor, o papel que antes pertencia ao Estado agora passa para organismos internacionais, como as Nações Unidas. Essas entidades determinam regras comerciais e jurídicas e apontam as metas para o futuro de cada país - combate ao desemprego e diminuição da mortalidade infantil, por exemplo. As normas definidas por organismos multinacionais se disseminam com naturalidade, graças à comunicação globalizada e à aproximação comercial entre países distantes. Para Matias, esse processo deve levar o mundo a um patamar superior de democracia, desenvolvimento e respeito aos direitos humanos. (Erik Farina) Eduardo Felipe Pérez Matias
Livro:
A Humanidade e suas Fronteiras Autor: Eduardo Felipe Pérez Matias Editora: Editora Paz e Terra Páginas: 560Preço: R$ 45

Thursday, November 24, 2005

"Os Estados já não são tão supremos nem tão independentes", Entrevista AOL, 10/10/05


AOL - Sobre o que é o livro?
Eduardo Matias - O livro trata basicamente dos efeitos da globalização sobre os poderes do Estado. Quando eu falo globalização é a globalização e alguns fenômenos relacionados a ela. É a globalização econômica, a questão da globalização financeira, a revolução tecnológica, com o surgimento da Internet, e o que eu chamo de globalização jurídica, que tem duas vertentes: a proliferação dos tratados internacionais e das organizações internacionais. Eu vejo como todos esses fenômenos atuais afetam o poder estatal.

AOL - O que é globalização? E a globalização jurídica?
E.M. - A globalização nada mais é do que uma intensificação da interdependência dos povos. A interdependência é um fenômeno antigo, e o aumento dessa interdependência é a globalização. A globalização jurídica também é uma intensificação dessa regulamentação da interdependência dos povos. Ela surge como resposta à globalização. E a melhor maneira de se responder a alguns problemas que surgem com a globalização é a cooperação internacional. O aumento da cooperação internacional e de outros fenômenos paralelos, como a integração regional, é o que chamamos de globalização jurídica.
AOL - Como a sociedade global vem substituindo o Estado Soberano?
E.M. - A soberania tem duas idéias implícitas nela. A primeira é a do poder do Estado e a segunda é de uma qualidade desse poder. O poder tem que ser supremo e independente. E o que está acontecendo? Atores privados, transnacionais (as grandes empresas transnacionais, os operadores financeiros etc) ganham força. Eles começam a influir cada vez mais nas decisões do Estado. Além disso, alguns fenômenos, como a revolução tecnológica, com a Internet, que fazem com que o poder do Estado perca um pouco da efetividade. Novas instituições substituem algumas das funções do Estado. Qual a terceira coisa importante? As organizações internacionais. Elas criam órgãos, como tribunais internacionais em que, muitas vezes, a vontade desses órgãos se sobrepõem à vontade dos Estados. Ao se submeterem a esses órgãos, como acontece na OMC (Organização Mundial do Comércio), os Estados já não são tão supremos no seu interior e nem tão independentes quanto eram antes. A ascensão da sociedade global é exatamente essa transferência de poder do ator tradicional, o Estado Soberano, para alguns novos atores. Quando se tem uma mudança de instituições, se tem uma mudança de modelo, porque a explicação do mundo em que a gente vive se baseia nas instituições que predominam na sociedade. Então se hoje a gente tem instituições que são globais, a gente pode falar em sociedade global.
AOL - Qual o poder do Estado hoje?
E.M. - O poder do Estado hoje ainda é grande, não vamos aqui dar a impressão de que o Estado acabou. O Estado tem um poder muito grande inclusive porque é ele quem faz o direito internacional, celebrando acordos. Então ele é fundamental do ponto de vista da globalização jurídica. Ele constrói o direito internacional. Só que, ao mesmo tempo em que exerce a soberania assinando um acordo, que é uma prerrogativa do Estado, ele limita seus poderes. Então o poder do Estado hoje é limitado em relação a essa conjuntura internacional. Se distribuíssemos uma porcentagem de poder, diríamos que ele é menos soberano do que um tempo atrás.
AOL - E a tendência é isso acontecer cada vez mais?
E.M. - Aparentemente sim. A direção da globalização jurídica, da globalização econômica, parece um fato inevitável. Não sabemos onde isso pode chegar. O último capítulo do livro procura analisar a possibilidade de termos um modelo que é ainda mais avançado, o de humanidade sem fronteiras. Mas esse modelo traz alguns problemas que devem ser questionados. Hoje o Estado é a entidade que reúne as condições de legitimidade democrática que garantem a pluralidade. Se você parte para um modelo de organização global ou, mais além disso, de humanidade sem fronteiras, tem que garantir que esses requisitos que o Estado com o tempo foi adquirindo, de legitimidade democrática, sejam também atendidos. Muitas vezes isso não ocorre. Algumas dessas organizações internacionais são questionadas exatamente porque não são muito transparentes. É importante também falar outro ponto, não só a questão da legitimidade democrática, mas as funções do Estado. O Estado foi concebido de uma forma para proteger a sociedade, garantir a paz interna da sua população, e com o tempo foi adquirindo funções como, por exemplo, de promoção da justiça social, do desenvolvimento econômico do seu povo. Temos que fazer com que as instituições da sociedade global cumpram essas mesmas funções.
AOL - Os territórios e as fronteiras estão perdendo sua importância?
E.M. - Quando eu falo na diluição das fronteiras é porque existe ainda uma restrição muito grande, por exemplo, para que as pessoas vão trabalhar em outro lugar. Você vê os brasileiros tentando ir para os Estados Unidos. Essa fronteira existe ainda. O que eu mostro no livro é que algumas fronteiras não existem mais. Por exemplo, o ciberespaço é um espaço econômico, de informação, sem fronteiras. Regular o que acontece no ciberespaço é muito difícil. Quando há fluxos financeiros, a chamada moeda virtual, ataques especulativos, você tem uma rapidez muito grande de transferência de dinheiro e também diminui a diferença das fronteiras.
AOL - As empresas exercem as funções do Estado? Quais?
E.M. - Eu não diria. As empresas hoje têm uma preocupação muito grande com responsabilidade social. O que é uma grande virtude. É uma coisa a ser estimulada. De funções do Estado propriamente ditas que as empresas substituam, eu acho mais difícil achar exemplos. Se acontece, é quando a empresa acaba sendo um centro de convivência para as pessoas que trabalham para ela e cria um sentido de comunidade. Mais que a empresa, vale a pena a gente entender como a sociedade civil, transnacional, substitui o Estado em alguns casos. Aí, sim, a gente pega as ONGs, principalmente essas grandes organizações não-governamentais internacionais. Na África, por exemplo, no caso do auxilio contra a fome, há funções do Estado que realmente são desempenhadas por empresas. É muito interessante esse fenômeno, porque a sociedade civil acaba respondendo às deficiências do Estado. Em alguns casos em que o Estado é fraco, ela o substitui no exercício de algumas de suas funções.
AOL - Então são essas organizações que estão substituindo o Estado Soberano?
E.M. - Eu não gosto de falar “substituindo”. Mesmo no livro eu procuro falar que o Estado tem uma importância muito grande ainda hoje. Não gosto de falar que o Estado perde sua função ou coisas do tipo. Essas organizações limitam o poder do Estado, sem dúvida, e ao fazer isso elas ganham poder. O poder é a capacidade de alguém fazer alguma coisa que quer.
AOL - A idéia não é que o Estado está deixando de ter poder, mas sim que está dividindo esse poder?
E.M. - Exatamente. A noção que eu defendo no livro é a noção de “soberania compartilhada”. O Estado não é mais aquele soberano absoluto do passado, ele compartilha a soberania em diversos níveis. Se o Brasil resolver barrar a entrada de algum produto de um país membro da OMC, pode ser questionado perante os órgãos de solução de disputa da OMC. Caso isso ocorra, o Brasil talvez seja obrigado, por ter um custo de oportunidade muito grande em não aceitar a decisão da OMC, a aceitar a entrada do produto que ele não gostaria de ver lá dentro, ou de baixar uma alíquota que gostaria que fosse alta, ou revogar uma lei de proteção ambiental que prejudique o livre comércio que o Brasil gostaria de manter.
AOL - E os grandes poderes estatais, como o dos Estados Unidos?
E.M. - Temos um problema realista, de alguns países que são tão fortes que podem até manipular essas regras a seu favor. Os EUA, por exemplo, em relação às regras financeiras internacionais, têm um poder muito grande. No FMI (Fundo Monetário Internacional), os EUA chegam a ter um poder de veto. Os EUA claro que talvez sejam um pouco mais soberanos do que outros Estados. Nesse jogo de quem ganha quem perde, eles perdem menos. Mas não quer dizer que não percam. Os EUA se submetem às decisões da OMC. Eles perdem muitas vezes e perdem valores altos. Um caso emblemático é que eles tinham mecanismo de incentivo às exportações e esse mecanismo foi questionado perante a OMC e eles perderam. E o valor, em medidas compensatórias, chegava a 4 bilhões de dólares. E aí que está a graça da nova configuração de forças mundial. Então o custo de oportunidade de não se submeter a uma decisão da OMC é muito grande e nem os EUA podem se dar ao luxo de fazer isso.

A ascensão da Sociedade Global, AOL, 10/10/05

A globalização já faz parte de nossas vidas. Há quem não saiba mais viver sem Internet. Comércio com todos os lugares do mundo, notícias em tempo real e outros fenômenos aparentemente corriqueiros são frutos desta intensificação da interdependência dos povos. Livro recém-lançado explica as mudanças pelas quais estamos passando

Por Lilian Ferreira, da Redação AOL

Analisar de que forma a globalização e outros fenômenos contemporâneos afetam o poder do Estado é a proposta do livro “A Humanidade e suas Fronteiras - do Estado Soberano à sociedade global”.

Recém-lançado por Eduardo Felipe P. Matias, sócio do escritório L.O.Baptista Advogados Associados e Doutor em Direito Internacional da USP, o livro resulta de anos de pesquisa em instituições como Universidade de São Paulo, Universidade de Paris, Universidade Columbia em Nova York – além da experiência profissional do autor no campo do direito internacional e da consulta a uma bibliografia com mais de quinhentos livros e artigos.

Matias analisa as transformações que estão ocorrendo no mundo com o foco principalmente no Direito. Isso porque, com a crescente regulamentação internacional e o fortalecimento das organizações internacionais de cooperação, como a OMC (Organização Mundial do Comércio), surge mais uma vertente da globalização, a globalização jurídica.

O poder soberano do Estado, efetivo e autônomo, se encontra diluído, levando à ascensão do modelo de sociedade global, em que organizações internacionais compartilham a soberania. Com finanças, leis e interesses cada vez mais comuns a diferentes países, as fronteiras podem perder sua importância, caminhando para o novo modelo de humanidade sem fronteiras.

A humanidade e suas fronteiras – do Estado Soberano à sociedade globalAutor: Eduardo Felipe P. MatiasEditora: Paz e TerraNúmero de páginas: 556 páginasPreço: R$ 45,00

A sociedade Global, MundoRI.com, 4/11/05

De que maneira a globalização transformou o relacionamento das nações?
A chamada globalização nada mais é do que a intensificação da interdependência dos povos. Essa interdependência sempre existiu em maior ou menor grau. Pode-se entender que o início da globalização se deu na época das grandes navegações, ou no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, quando a adoção do padrão-ouro e as inovações nos transportes e nas comunicações, como as ferrovias, os barcos a vapor e os cabos telegráficos submarinos intercontinentais, levaram a uma intensa internacionalização. No entanto, alguns fenômenos recentes aceleraram essa tendência e acrescentaram novos fatores – como a Revolução Tecnológica – que influem no relacionamento dos povos, o que nos permite caracterizar esse fenômeno, nos moldes que ele apresenta atualmente, como algo jamais visto. Hoje, mais do que nunca, eventos distantes têm influência sobre acontecimentos locais, e vice-versa.
Como a Revolução Tecnológica afeta o desenvolvimento e as relações entre os países?
A revolução tecnológica levou à chamada economia digital e à idéia de que o saber é o principal recurso de uma nação – teríamos entrado na chamada “era da informação”. O surgimento da Internet leva a uma mudança radical na produção e na comercialização de bens e serviços, tendo efeitos tanto sobre a relação de uma empresa com seus fornecedores quanto com seus consumidores. As empresas transnacionais se aproveitam desse contexto e se fortalecem, planejando suas ações com o objetivo de vender para o mercado global. Com a Revolução Tecnológica, o Estado, por sua vez, vê o seu poder de controle diminuir, o que têm conseqüências sobre a efetividade de suas ações. Em algumas áreas, ele passa a ter dificuldades de implementar regulamentações desejadas – caso de atividades ilegais que o Estado pretenda coibir e que podem ocorrer no ciberespaço, como os jogos de azar. Assim como ocorre em outras áreas, como a da proteção ao meio-ambiente, a Revolução Tecnológica leva a situações que só podem ser resolvidas por meio da cooperação internacional.
No livro “A Humanidade e suas Fronteiras” o senhor fala sobre três tipos de globalização: tecnológica, econômica e jurídica. Por quê diferenciar cada tipo de globalização?
A globalização é um fenômeno complexo, com diversas vertentes. A mais evidente delas é a globalização econômica, que compreende o fortalecimento das empresas transnacionais, o aumento do comércio internacional e o surgimento de um mercado financeiro mundial. A Revolução tecnológica reforça esse fenômeno, à medida que serve de instrumento, por exemplo, para a globalização financeira, pois assegura a interligação dos mercados e a mobilidade com que valores astronômicos transitam pelo planeta. A reação a essa aceleração da interdependência dos povos é a globalização jurídica. Ela se caracteriza pela proliferação dos tratados internacionais, como forma de resolver os problemas que os Estados têm em comum, e pelo fortalecimento das organizações internacionais, que se dá em dois níveis: internacional, por meio de organizações como a OMC e o FMI, e regional, por meio de blocos econômicos como a União Européia e o Mercosul.
Como o senhor analisa a atuação dos Estados Unidos nas principais organizações internacionais como ONU, OMC e Banco Mundial?
Os Estados Unidos têm um poder muito grande dentro dessas organizações, e procuram exercê-lo sempre que possível. A tendência ao unilateralismo é a regra, principalmente em questões militares e de segurança, como ficou demonstrado, por exemplo, na Guerra do Iraque. Na área econômica, os Estados Unidos também gozam de posição privilegiada – o número de votos de que dispõem no FMI, por exemplo, lhes garante direito de veto.No entanto, a novidade que merece ser apontada é que nem os Estados Unidos estão livres da influência que algumas organizações internacionais exercem sobre o poder estatal. Ainda na área econômica, a OMC conta com mecanismos que podem levar até mesmo uma nação poderosa como a norte-americana a ter de rever uma legislação interna que venha a ser julgada contrária ao livre-comércio. E os Estados Unidos têm perdido com uma certa freqüência disputas no Órgão de Solução de Controvérsias dessa organização, e muitas vezes têm se submetido a essas decisões desfavoráveis, ainda que contra a sua vontade.
O senhor fala no livro sobre a formação de uma “sociedade global”, composta por uma consciência global e interesses comuns. Como isso vem acontecendo?
A sociedade global está substituindo o modelo tradicional de organização da humanidade, que é o do Estado soberano. Surgem instituições transnacionais, internacionais e até mesmo supranacionais, cujo poder passa a limitar a soberania estatal. É precisamente o fortalecimento dessas instituições que nos permite dizer que o mundo passa por transformações que justificam caracterizá-lo por meio de um novo paradigma.Uma possível evolução desse modelo, hipótese que abordo no final do livro, ocorreria com o aprofundamento de alguns fatores já existentes, como a valorização do indivíduo e da idéia de comunidade internacional. A atuação, por exemplo, da sociedade civil transnacional, por meio de ONGs, poderia contribuir em longo prazo para a consolidação de alguns valores comuns a toda a humanidade. Esses valores poderiam dar origem a uma comunidade que não seria apenas internacional, mas global, levando-nos a um novo modelo, o de uma humanidade sem fronteiras.
O livro “A Humanidade e suas Fronteiras”, apesar de ter sido lançado recentemente, tem sido muito comentado entre os acadêmicos e especialistas da área. Como o senhor vê a repercussão dos temas internacionais no Brasil?
O livro trata principalmente da perda de poder por parte dos Estados devido à globalização. É um exemplo marcante de como fatores internacionais podem afetar uma nação, e isso ocorre de forma mais acentuada em um país em desenvolvimento como o Brasil, o que explica a repercussão do tema por aqui. A soberania deve ser entendida como o poder estatal em si, mas, principalmente, como a efetividade e a autonomia desse poder. À medida que a atuação das empresas transnacionais, do mercado financeiro global, das organizações internacionais e dos blocos econômicos regionais passa a limitar a atuação do Estado, a soberania deste último se enfraquece.
A necessidade de atrair capital e o custo de oportunidade de não participar dos arranjos institucionais mundiais levam os países, principalmente aqueles em desenvolvimento, a restringir suas opções políticas e econômicas. O problema é que, muitas vezes, as instituições da sociedade global não atendem a certos requisitos e funções que os Estados, com o tempo, foram levados a atender, como a legitimidade democrática, a promoção do desenvolvimento econômico e da justiça social. Temas internacionais como esse têm efeitos muito significativos sobre a vida de nosso país, merecendo por isso toda a nossa atenção.
Livro“A Humanidade e Suas Fronteiras: do Estado Soberano à Sociedade Global”Autor: Eduardo Felipe P. MatiasEditora: Paz e TerraPreço: R$ 45,00Número de pág.: 556-4/11/2005

Revista Época, Edição 392 - 21/11/2005

As nações e a globalização

O advogado Eduardo Matias analisa os efeitos da globalização e dos avanços tecnológicos no papel das nações - instituições que vêm cedendo lugar à chamada sociedade global. Trata-se de estudo aprofundado e inteligente sobre o tema.

A Humanidade e Suas Fronteiras, Eduardo Felipe P. Matias, Paz e Terra.

Saturday, October 22, 2005

"Por que o Estado perde poder - A sociedade global testa os limites das fronteiras nacionais", Revista Exame, 30/11/2005

Por José Rubens A. Fonseca Rodrigues

Para que serve o Estado? A no??o mais conhecida ?: para garantir a seus cidad?os a paz, o bem comum ou, para alguns, o bem-estar social. At? aqui, nenhuma novidade, desde que se pense na id?ia mais tradicional de Estado -- como o poder circunscrito ?s suas fronteiras geogr?ficas. No entanto, o que fazer quando a pr?pria no??o de fronteira torna-se menos geogr?fica e mais -- e aqui justificam-se as aspas -- "virtual"? Como fica ent?o o poder -- ou, melhor dizendo, o conceito de soberania? Em um mundo globalizado, ? preciso rever premissas relativas ao Estado, a soberania entre elas. Esse ? o assunto de A Humanidade e Suas Fronteiras -- Do Estado Soberano ? Sociedade Global, de Eduardo Felipe P?rez Matias, doutor em direito pela Universidade de S?o Paulo. Revisar um conceito jur?dico deveria interessar, em tese, s? aos operadores do direito. No entanto, Matias vai muito al?m. Ele discute n?o s? os aspectos jur?dicos mas tamb?m os componentes sociais e econ?micos, que s?o fundamentais para que o leitor n?o especializado possa entender as mudan?as de poder no Estado atual. Partindo da apresenta??o da evolu??o hist?rica do Estado, com enfoque principalmente no aspecto da soberania, disp?e-se a discutir esse tema t?o relevante na atual conjuntura mundial. Sua obra cont?m duas partes. Na primeira, Matias trata da influ?ncia da globaliza??o e da revolu??o tecnol?gica no Estado atual. Na segunda, dedica-se principalmente ? vis?o jur?dica do fen?meno da globaliza??o em rela??o ao Estado. O autor enfoca o fortalecimento das organiza??es internacionais relativas ? coopera??o ou ? integra??o e sua influ?ncia na soberania dos Estados, abordando inclusive o papel da Organiza??o Mundial do Com?rcio (OMC) e do Fundo Monet?rio Internacional (FMI). Dizer que todas essas transforma??es -- como o pr?prio autor menciona -- "acrescentam elementos transnacionais e supranacionais ?s fronteiras tradicionais da organiza??o da humanidade, contribuindo para o surgimento do paradigma da sociedade global" n?o ? suficiente para exprimir o tamanho da pesquisa por ele desenvolvida. O trabalho, de mais de 500 p?ginas, proporciona uma no??o aprimorada do tema tratado. Desenvolvendo assuntos como a soberania -- tanto a de direito quanto a de fato --, o autor n?o descuida dos aspectos mais importantes do dia-a-dia que interferem nesse processo de evolu??o do Estado moderno. Todas essas qualidades j? seriam suficientes para justificar a leitura de A Humanidade... Ainda mais para os leitores interessados em entender em profundidade o impacto das mudan?as ocorridas na rela??o de for?as entre os Estados modernos. Mas n?o ? s?. Matias se prop?e a abordar o tema buscando tamb?m uma vis?o final de interesse do ser humano. Esse aspecto com certeza levar? o leitor a degustar a obra de forma mais prazerosa e produtiva.
Jos? Rubens A. Fonseca Rodrigues ? advogado, doutor em direito internacional pela USP e procurador do munic?pio de S?o Paulo

Thursday, October 20, 2005

"O que estou lendo", Jornal da OAB, Dezembro de 2005

Rumo a uma sociedade global

Por Gabriel Jorge Ferreira – presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF)

"Todos os que acompanham o fenômeno da globalização, já se deram conta de que uma nova ordem vem, crescentemente, regendo as relações mundiais, onde os diversos sistemas econômicos estão, inelutavelmente, acoplados às grandes corporações e ao sofisticado e vigoroso mercado financeiro internacional. Essa interdependência, de forma sutil, relativiza o poder político, na medida em que os agentes econômicos estão muito mais expostos aos movimentos ou mudança de cenários além-fronteiras do que costumavam estar há algum tempo.
O debate em torno dessa nova ordem está no ar e, muito a propósito, chega-nos a obra A humanidade e suas fronteiras, que estou tendo o prazer de ler, da lavra de Eduardo Felipe Matias, que nos dá uma visão objetiva de como os personagens e instituições da sociedade moderna estão se ajustando ou convivendo nessa arena desafiadora e complexa, que é o convívio das nações com fatores irresistíveis, que modulam o comportamento humano. É leitura agradável, inovadora e provocativa, por motivar o aprofundamento da discussão de questões relevantes que serão constante e freqüentemente postas em xeque, sob múltiplos aspectos, mormente no mundo jurídico."

Título: A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global

Autor: Eduardo Felipe Matias – Editora: Paz e Terra – 556 páginas

Wednesday, October 19, 2005

"As fronteiras da sociedade global", Observatório da Imprensa, 19/2/2007

Por Paulo Roberto de Almeida
A humanidade e suas fronteiras: do Estado soberano à sociedade global, de Eduardo Felipe P. Matias, 556 pp., Editora Paz e Terra, São Paulo, 2005
Este livro é uma tese, aprovada, aliás, com distinção numa banca da Universidade de São Paulo (USP). O livro também contém várias teses, sendo a mais importante a que figura no seu subtítulo, ou seja, que estamos saindo do paradigma do Estado soberano para o da sociedade global. Pode-se admirar o livro, sua estrutura ideal enquanto tese acadêmica, sua perfeita cobertura dos mais importantes temas e problemas do direito internacional contemporâneo, mas cabe uma ou duas ressalvas quanto ao novo paradigma proposto pelo autor.
A primeira ressalva seria de ordem propriamente conceitual. No sentido mais corriqueiro da palavra, o termo paradigma refere-se a um padrão ou modelo de algo, tangível ou intangível, mas sempre definido de modo explícito. No que se refere ao modelo proposto neste livro, não se sabe bem a qual tipo específico de nova configuração civilizacional corresponderia à "sociedade global", uma vez que seus atributos restam indefinidos. Pode-se dizer, paradoxalmente, que ela não tem fronteiras, ou então que suas fronteiras ainda são, justamente, as dos Estados nacionais. No sentido mais filosófico, ou "kuhniano", da expressão, trata-se de um conjunto de crenças ou "teorias", aceitas como verdadeiras, até serem desbancadas por algum outro conjunto superior de explicações racionais que, a partir de certo momento – usualmente definido como "revolução científica" –, passam a ser consideradas como a nova verdade estabelecida.
Em nenhum desses dois sentidos, porém, o novo paradigma da sociedade global proposto por Matias parece já ter sido estabelecido e reconhecido no âmbito acadêmico.
Mas, há igualmente um enorme problema de ordem prática: se eu quiser falar com a tal de sociedade global, telefono para quem? Para falar com chefes de Estado ou com o secretário-geral da ONU, sei que posso encontrar os números em diretórios, mas o telefone do novo paradigma ainda é desconhecido, na verdade inexistente. Ou seja, ela não possui institucionalidade.
Ao que tudo indica, continuará a ser assim no futuro previsível, por mais que a globalização empurre as "coisas" na direção desse novo paradigma. Os Estados nacionais continuarão a dar as cartas no jogo global, ainda que as regras de conduta e o substrato mesmo dos intercâmbios internacionais deixem a esfera do bilateralismo e se projetem, cada vez mais, nos planos multilateral e global.
Doze capítulos
Independentemente, porém, dessas ressalvas feitas à "tese" principal de Matias, pode-se considerar que a "sociedade global" constitui, de fato, um bom arquétipo, ou modelo, de como foram e são importantes as transformações nos sistemas econômico e político internacional, desde o final da contestação "alternativa" – socialista ou outra – ao moderno regime democrático de mercado, para a conformação da nova ordem internacional, cujos contornos ainda não estão precisamente definidos.
Esta tese acadêmica apresenta um pouco da nova arquitetura naquilo que constitui a especialidade do autor: o direito internacional e os mecanismos de regulação e de cooperação existentes no mundo contemporâneo. Desse ponto de vista, ele representa uma das melhores tentativas de síntese, já conhecidas na comunidade acadêmica brasileira, para apreender o que há de especificamente novo no cenário internacional com incidência sobre o campo do direito e das organizações internacionais.
A estrutura quadripartite da tese, presumivelmente mantida no livro, é relativamente simples: uma parte introdutória trata do Estado soberano, isto é, das fronteiras tradicionais que dividem, desde Westfália, os Estados-nacionais reconhecidos como tal, e reciprocamente, desde o século 17. A primeira parte se ocupa da globalização em geral, na qual o subtítulo explicita seu objeto: "o papel da globalização e da revolução tecnológica na alteração do modelo do Estado soberano e na ascensão do modelo da sociedade global". A segunda parte, "globalização jurídica", se ocupa especificamente – e talvez repetitivamente – do papel da globalização jurídica e das organizações internacionais "na alteração do modelo do Estado soberano e na ascensão do modelo da sociedade global". A parte final chega à "sociedade global", definida como as novas fronteiras da humanidade.
Uma conclusão de apenas três páginas e a bibliografia se estendendo por mais de trinta páginas completam este imponente volume de doze capítulos bem escritos e abundantes remissões bibliográficas.
Modelos de integração
Os estudiosos da história do direito encontrarão, no primeiro capítulo, um resumo de como os teóricos da política – Maquiavel, por exemplo – e da ciência jurídica – Grotius, Bodin, entre outros – trataram da emergência e da afirmação do Estado soberano a partir do Renascimento. O segundo capítulo aprofunda a construção do modelo de Estado soberano, seus significados (poder e supremacia, por exemplo), assim como as distinções entre soberania de direito e de fato. Seguem-se as duas partes centrais, com quatro capítulos cada uma, descrevendo e discutindo as forças principais da globalização contemporânea, a revolução tecnológica e o papel das empresas transnacionais, incluindo aqui os operadores financeiros. O interessante a observar em relação ao tratamento dado pelo autor a esse fenômeno tão suscetível de receber abordagens dicotômicas é que ele integra de modo satisfatório análises de autores notoriamente contrários à globalização com trabalhos de estudiosos bem mais favoráveis a esse processo.
Na parte da globalização jurídica – segunda parte da tese –, o foco do autor é posto na regulamentação internacional e no fortalecimento das organizações internacionais de cooperação e de integração. Ele constata, por exemplo, como as entidades mais notoriamente vinculadas a esses processos, a OMC, o FMI e o Banco Mundial, ao mesmo tempo em que preservam certos atributos da tradicional soberania dos Estados, acabam por minar as bases do poder e do arbítrio alocado exclusivamente às políticas de base nacional.
Paradoxalmente, isto ocorre com o próprio consentimento dos Estados. De fato, como confirma o autor, permanecer à margem ou retirar-se dessas instâncias de regulação trans ou supranacional representaria custos enormes, que poucos Estados estariam dispostos a pagar, uma vez que os benefícios advindos da regulação internacional são patentes e visíveis, no comércio e nas transações financeiras.
A parte final contém o que o autor chama de "novo paradigma", isto é, o estabelecimento de um "novo contrato social" e de uma "nova soberania". Os mecanismos para a criação dessas novas realidades são a cooperação e a interdependência entre os Estados, o que acaba resultando num novo tipo de contrato. Uma nova lex mercatoria, por exemplo, se impõe, por via do método arbitral, à margem e fora do alcance do poder dos Estados.
No tratamento da questão da supranacionalidade, implícita em alguns modelos de integração, o autor acaba mencionando a Comunidade Andina, onde esse atributo, previsto originalmente nos tratados constitutivos, foi totalmente teórico e na prática inexistente. De todo modo, as bases do novo pacto estão postas, e elas corroem os fundamentos da soberania westfaliana.
Últimas salvaguardas
Os motivos que levam os Estados a diluírem a sua própria soberania nas novas formas de organização inter ou supra-estatais não derivam tanto da harmonia que existiria entre eles, como da necessidade de superar as fontes de conflito, substituindo-o pela cooperação. O cenário hoje se aproxima de uma soberania compartilhada, ou de uma "governança sem governo", e o próprio direito deixa de ser, nas palavras de Celso Lafer, um "direito internacional de coexistência" – baseado em normas de mútua abstenção – para tornar-se um "direito internacional de cooperação", com a missão de promover interesses comuns. Quais seriam, então, os elementos que compõem o novo paradigma da "sociedade global", segundo o autor deste livro?
Entre eles se situam a sociedade civil organizada, composta pelas ONGs, e os fenômenos de natureza trans ou supranacional já analisados no livro: as empresas multinacionais e os esquemas de integração econômica e política. Esses atores integram os novos regimes criados para regular a cooperação entre os atores tradicionais, os Estados soberanos (ma non troppo, poder-se-ia dizer). Como diz o autor, o novo sistema de governança global possui aspectos internacionais, transnacionais e supranacionais. Porém, a diluição da soberania estatal trazida pela globalização econômica interessa sobremodo às empresas transnacionais, em especial as do setor financeiro.
Dois problemas permanecem para a nova "sociedade global": ela não dispõe de um poder judiciário – já que a corte da Haia só trabalha sob convocação e aprovação dos Estados – e ela não dispõe de um poder militar, ou policial, próprio, uma vez que a ONU nunca foi dotada, pelos Estados membros – a fortiori os cinco grandes do seu Conselho de Segurança – de forças armadas atuando sob um comando unificado a seu serviço (sem mencionar o poder de veto, que é atribuição individual de cada um dos cinco permanentes).
Um terceiro problema seria a dimensão do desenvolvimento, uma vez que a pobreza e a desigualdade continuam a caracterizar boa parte da humanidade. Paz, segurança, justiça e desenvolvimento parecem ser, de fato, os obstáculos atuais à plena consecução da sociedade global almejada pelo idealismo jurídico. Não é certo que esses aspectos venham a ser resolvidos no plano global, pela "comunidade internacional", como pretendem alguns; o mais provável é que eles ainda dependam, basicamente, da atuação dos Estados soberanos para sua resolução.
O autor acredita que "somente no momento em que os indivíduos de cada nação viessem a compartilhar um amplo conjunto de valores e interesses seria possível esperar que os conflitos hoje provocados pela divisão do mundo em Estados pudessem deixar de existir" e que "o direito também um papel fundamental nesse processo" de confluência de valores (pág. 515). Examinando-se o estado atual do mundo e a "educação" das massas, tal perspectiva aparece como sumamente idealista. Mas ele também reconhece que a soberania pode ser uma das últimas salvaguardas para Estados fracos ou vulneráveis. Os princípios legitimadores da nova "sociedade global" deveriam ser os da democracia e das liberdades individuais, algo ainda distante do modo de vida de milhões de indivíduos na face da terra.
Capacidade de ação
Em sua conclusão, o autor frisa bem que a sociedade global não é uma sociedade sem Estados ou sem fronteiras. Ele também acredita que a riqueza global esteja se concentrando e que a humanidade se torna cada vez mais desigual, daí sua afirmação segundo a qual o "bom combate é aquele em favor da justiça social na sociedade global" (pág. 523).
Essas "realidades", no entanto, vêm sendo desmentidas por estudos empíricos solidamente embasados em dados sobre a distribuição de renda na dimensão individual (como por exemplo em diversos trabalhos de Xavier Sala-i-Martin). O autor diz lutar para que as "políticas adotadas por essas instituições [que assumem parte da antiga soberania estatal] sejam não apenas justas, mas socialmente justas, para que a parte do planeta que pouco ou nada tem seja resgatada por aqueles que conseguiram alcançar grau maior de desenvolvimento – seja por seu mérito próprio, seja por uma história desigual" (pág. 523). Essa "nova utopia", encarregada de efetuar a redução da exclusão social em escala global, estaria baseada na "idéia de fraternidade".
Pode até ser que o autor tenha razão, mas o que a história e a experiência da cooperação internacional nos ensinam, justamente, é que depois de mais de meio século de ajuda oficial ao desenvolvimento, em especial aquele dirigido à África, o "resgate" pela assistência e pela ajuda financeira não foram e não são suficientes para retirar essas massas da miséria mais abjeta ou da simples pobreza. Apenas o crescimento econômico, em bases propriamente nacionais, tem sido capaz de fazê-lo, como ensinam os casos recentes da China e da Índia.
Que a África e, em certa medida, a América Latina não tenham sido capazes de superar os aspectos mais pungentes da pobreza e da desigualdade não deve ser visto como um fracasso da globalização ou das políticas econômicas ditas "neoliberais", como pretendem aqueles que militam na antiglobalização. O fato é que esses continentes ainda estão muito longe da "sociedade global" proclamada pelo autor. Isso por decisão própria, por insistirem nas chamadas "políticas soberanas" de desenvolvimento – ou, no caso da África, por corrupção mesmo, que se traduz no fenômeno da falência dos Estados – não porque o capitalismo global tenha pretendido excluir esses continentes de suas redes e fluxos integradores.
Em outros termos, a construção da "sociedade global", a tese principal defendida neste livro, parece ser, ainda, uma obra essencialmente dependente da vontade dos Estados nacionais, vale dizer da capacidade de ação de seus dirigentes, nem todos estadistas, para dizer o mínimo. Isto, obviamente, em nada diminui o interesse desta tese de doutorado para o avanço dos estudos de direito internacional no Brasil. Que sua tese principal seja aprofundada e debatida.